Biomateriais Metálicos na Ortopedia

Os biomateriais compõem uma área muito ampla dentro da Engenharia de materiais, que vem se expandindo e ganhando cada vez mais destaque na sociedade. Dentre as diversas finalidades desses materiais, estão instrumentos de suporte para cirurgias e aparelhos projetados para substituir e/ou recuperar componentes funcionais doentes ou danificados do corpo humano abrangendo, dessa forma, várias áreas médicas, como a Ortopedia. Por entrarem em contato com o corpo humano os biomateriais necessitam apresentar biocompatibilidade com ele, não ocasionando rejeições ou produção de substâncias tóxicas.

A fim de se avaliar tal biocompatibilidade, são realizados dois tipos de testes principais: in vitro e in vivo. Os testes in vitro visam avaliar a citotoxicidade (capacidade de um material em promover alteração metabólica em nível celular) em uma cultura de células, a qual, sob condições de falha, apresenta surgimento de regiões distintas das demais, causadas pelo rompimento e morte das células locais. Caso o material passe nesses testes, faz-se o teste in vivo, procedimento efetuado com animais, a exemplo de ratos e coelhos. Atualmente, devido à crescente preocupação com o bem-estar deles, tem aumentado a busca por alternativas que reduzam a necessidade de testes in vivo.

As melhorias e os desenvolvimentos dos materiais acompanham mudanças nos panoramas ao longo do tempo. A Ortopedia não foge à regra: até pouco tempo, órteses e próteses tinham um público formado, majoritariamente, por idosos. Contudo, com o aumento dos acidentes de trânsito e do registro de doenças crônicas, é cada vez maior a incidência de jovens e adultos que necessitam de tais aparatos, com especificidades próprias. Sendo assim, fez-se imprescindível a busca de aperfeiçoamentos dos dispositivos ortopédicos.

Um desses aperfeiçoamentos diz respeito ao seu material de constituição.

Em um passado relativamente próximo, as próteses eram produzidas com aço inoxidável austenítico, pois, conforme dito pela profª Lauralice, esse material, por ser normalmente resistente à corrosão, mostrava-se adequado para tal uso. Porém, posteriormente, verificou-se que a estabilidade química desse metal era insuficiente frente à agressividade dos fluidos corporais, impedindo a permanência de uma prótese desse tipo por longo tempo no organismo. Desde então, ascendeu a busca por metais ou ligas mais apropriadas. Um dos substitutos cotados para o aço austenítico foi a AlV (liga de alumínio e vanádio), entretanto, estudos indicaram que esse material se degrada em micropartículas ao longo do tempo, podendo ocasionar até mesmo problemas neurológicos no indivíduo. Há poucas décadas, deu-se, então, a descoberta da aplicabilidade do titânio na composição de biomateriais. Por ser um metal com baixo módulo de elasticidade, mais próximo com o do osso do que outros metais (isto é, mais deformável), baixa densidade (o que o torna mais leve), e altas resistência mecânica, à corrosão, ductilidade e biocompatibilidade (devido à estabilidade propiciada pela formação de uma camada de óxidos superficial e protetora), o titânio ganhou destaque. Todavia, esse metal, isoladamente, apresenta baixa resistência à abrasão. Assim, a fim de reduzir suas carências e, ao mesmo tempo, manter suas propriedades desejadas, novas ligas foram pesquisadas até se obter, por exemplo, as ligas de titânio, como Ti Al V (ligas contendo alumínio e vanádio, com as quais a profª Lauralice trabalha), desenvolvida para a indústria aeronáutica, conhecida por sua altíssima resistência à corrosão e amplamente utilizada na constituição de biomateriais.

Apesar de todo esse progresso, problemas no funcionamento de tais dispositivos ortopédicos podem ocorrer, de modo a demandar constante aperfeiçoamento.

Um exemplo desses problemas refere-se justamente à corrosão, que tem mecanismos ainda incompreendidos pela ciência, mas que fazem com que, mesmo as ligas de titânio, apesar de sua alta resistência a esse tipo de dano, sofram os efeitos dele. Condições do meio como concentração de flúor e alcalinidade altas dissolvem o revestimento protetor e podem levar à liberação de íons metálicos tóxicos, provenientes tanto do titânio quanto de outros materiais que existem nos implantes sob a forma de elementos de liga ou impurezas.

Outro caso ocorreu com placas de fixação óssea, as quais, ao longo do tempo do tempo, desprendiam-se do osso em que estavam fixadas. Tal situação se dava ao fato de que a carga gerada pela movimentação do indivíduo perpassava pela placa de fixação, não chegava ao osso. A profª Lauralice explica que a regeneração do osso depende da solicitação de forças sobre ele, as quais estimulam o seu crescimento. Como não havia transferência de carga para o osso, ocorria uma osteopenia (perda de cálcio pelo osso, deixando-o fragilizado), o que levava ao desprendimento da placa, principalmente, em indivíduos com maior passividade, como os idosos.

No objetivo de resolver esse imbróglio, percebeu-se o potencial de um polímero PVDF (fluoreto de polivinilideno) com propriedades piezoelétricas, ou seja, um polímero que tem a capacidade de gerar tensão elétrica através de pressão mecânica. Essa atividade piezoelétrica, segundo estudos, por atrair e ativar células similares a células-tronco provenientes da medula óssea, as quais se modificam em células responsáveis pela produção da matriz óssea (osteoblastos), estimula a regeneração do osso, processo conhecido como osteoindução. As análises da atuação desse polímero em conjunto com a placa metálica de fixação óssea, geraram ótimos resultados quanto à recuperação óssea das amostras in vivo, reforçando uma tendência recente de utilização conjunta de classes de materiais distintas de modo a obter o melhor de cada uma delas.

Referências Bibliográficas

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